Esta história, caso alguém leia ou tome conhecimento, provavelmente será parecida com outras e ao contá-la envio meus votos de respeito àqueles que como o personagem aqui descrito, fazem de suas vidas exemplos a serem seguidos. Ela fala de um homem que acreditou durante sua existência, mesmo esta lhe apresentando grandes dificuldades, ser possível e valer a pena viver, ser otimista, sorrir, gostar das pessoas, contar piadas e principalmente histórias.
Sem ter nascido em nossa cidade, adotou-a como sua, quando para cá veio, aos 19 anos, aqui casando e vivendo até seu falecimento. Com sua esposa teve 04 filhos, uma menina e três meninos. Como em nossas trajetórias nem tudo caminha conforme planejamos e queremos, no tempo em que as crianças eram pequenas, um acontecimento mudou sua vida para sempre. De forma inesperada, surgindo repentinamente, uma catarata, primeiro em um olho e depois no outro, com conseqüente descolamento das retinas, deixou-o irreversivelmente, apesar de intensa peregrinação pelos melhores médicos e hospitais da época, sem visão. Assim, aos 33 anos viu se na situação de aprender a viver, dependendo da esposa, na condição de marido e pai.
Com o novo quadro, em um momento onde a maioria entra em depressão ou se desespera, ele demonstrou à família e aos que o cercavam ser fundamental não mostrar fraqueza. Os médicos sem lhe tirar as esperanças, pouco prometiam e para gáudio das pessoas que o cercavam a partir daquele momento jamais deixou de passar a elas otimismo, determinação, segurança, vontade, carinho e amor. A esposa, que até então nunca trabalhara, objetivando a sobrevivência dos seus, começou a dar aulas em escolas do município e o mesmo tomou para si as tarefas possíveis e a responsabilidade em educar seus rebentos. O que fez como poucos fariam. Desde banhos, mamadeiras, cobrar lições dos que entravam na escola, pentear cabelos, cortar unhas, vestir roupas, engraxar sapatos, exigir disciplina etc., a ensinar como se sentar à mesa, pegar nos talheres, cumprimentar pessoas, respeitá-las, viraram rotinas para ele.
À noite, quando todos iam dormir e o sono não chegava, com o objetivo de fazer com que as crianças ficassem quietas, procurando o sono rapidamente, começava a contar histórias que inventava com maestria impar, tiradas não se sabe de onde, visto a impossibilidade de ler e só tomar ciência dos acontecimentos através do rádio, esposa, parentes ou poucos com quem passara a conviver ao longo dos dias, escuros para sua visão, mas claros pela energia que o iluminava.
As histórias que contava à noite, invariavelmente se repetiam durante o dia, quando os amigos dos filhos se juntavam no grande quintal da sua casa, para brincarem e solicitavam ao vê-lo, para que as repetisse permitindo-lhes também tomar conhecimento. Ao atendê-los, contava-lhes contos únicos, belos, ora cômicos, às vezes tristes, passeando pelo imaginário e fantasias daquele tempo, sempre procurando mostrar o lado positivo e otimista da vida. Assim, tartarugas apostavam corrida com lebres por vários quarteirões de uma fictícia cidade e chegavam em primeiro, lobos nunca comiam crianças pequenas, porque estas precavidas se fechavam em casa, ao gosto de cada um, cavalos para galopar seriam facilmente encontrados, lobisomens só existiam em cinema, gibis e para aqueles que desobedeciam e não faziam as lições de casa, o escuro era para que todos pudessem descansar, após um longo dia, nunca relacionado ao medo do desconhecido.
Os anos passaram, os filhos cresceram, um a um foram à escola, apresentaram ao pai amigos, namoradas, esposo (as), conhecidos e ele com satisfação, procurando, iluminado que era, passar a todos seu otimismo, sua alegria, modo de ser, com conversa atualizada, versátil, criativa, uma para cada tipo de ouvinte, tornando-se amigo, confidente dos que o ouviam e o procuravam. Encontrou, com o passar dos anos, luz própria, via, onde muitos tendo visão, não enxergavam, estava presente onde alguns tinham medo de estar, foi amigo, irmão e pai dos filhos, amou a mulher a cada segundo, foi querido por genro, noras, netos e bisnetos. Ao falecer em 2007, pessoas que visualmente jamais conheceu o reverenciaram, deixando àqueles com quem conviveu, exemplo de vida único, onde acreditar é o primeiro passo para conseguir e a palavra chave para todos, atende pelo nome “felicidade”. Nascemos e vivemos procurando ser felizes. Nem todos a encontram, para estes, talvez ela esteja mais próxima do que imaginam e não saibam senti-la.
Este homem foi meu pai, chamava-se Mário. Lembro-me sempre dele, do seu sorriso, abraço, carinho, amor, da sua graça, voz, dos seus cabelos brancos, suas mãos, dos olhos que raramente vi enxergando minha mãe, meus irmãos e eu. Porém, dia após dia, ele me vem à memória e como se o escutasse, relembro suas belas e impagáveis histórias, há tanto tempo contadas, imortalizadas em minha mente e com certeza na das demais pessoas que o conheceram e o curtiram.
Nilton Gomes Junqueira
http://www.niltonjunqueira.wordpress.com
e-mail-niltongjunqueira@yahoo.com.br
Foto / manutenção – Fábio Marques de Andrade Junqueira
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