O SERMÃO DO PADRE
Depois de concluir o ginásio em 1968, cheio de sonhos e planos fui estudar em Belo Horizonte e sem estar devidamente focado, por mais que houvesse cobrança, a aventura durou até julho. Retornei a Poços de Caldas com o ano letivo perdido, deixando de aproveitar a oportunidade e tendo convicção que aumentara a responsabilidade. Era preciso e rapidamente fazer outra opção, para dar seguimento aos estudos. No Colégio Marista, que deixara de oferecer o curso científico, encerrando com a última turma em 1967, estava previsto o retorno do mesmo em 70, com o 1º ano. Acabou sendo a escolha.
Com novo reitor, Ir. Lúcio, no comando, eu, com 16/17 anos, imaginando rapidamente concluir aquela etapa de vida, lá estava. O titular da sala durante todo esse tempo foi o Ir. José Gregório, que com seu jeito típico de carioca conservador, dizia ter entrado na congregação sem usar o linguajar carioquês, aos 11 anos de idade. Educador inteligente, culto, criativo, observador, levava parte dos alunos ao delírio, ouvindo-o comentar e ler meio engasgado (proposital), às bobagens escritas nas redações com temas por ele solicitados (valiam nota de prova), demonstradas nos cadernos por alguns amigos, ao narrarem suas histórias, para desespero dos mesmos. Hoje, seria bulling.
Em um grupo que pela primeira vez contava com a presença de meninas no colégio, grandes amizades foram feitas, estudávamos na parte da manhã de segunda a sábado, com um detalhe, nesse último dia aconteciam confissões na capela. Para lá estarmos e confessarmos no horário de aulas, precisávamos aguardar prévio aviso, dando conta de que o Padre Celso, capelão do Colégio, aguardava a presença dos alunos pecadores.
Naquele tempo, pelo conservadorismo e ensinamentos repassados, tinhamos em mente serem pecado diversas iniciativas e pensamentos, assim, adolescentes descobrindo o mundo cheios de idéias “bem intencionadas” olhando as pernas de uma menina por onde passavam, era pecado! As mini saias mostrando a beleza das mesmas, estavam por todos os lados, um charme fantástico! Ir a piscina do Country Club e ver aquele belo desfile de moças, usando “avançados biquínis”, a mostrar seus bronzeados corpos, então! Estar no cinema e ver um cálido beijo, onde as atrizes mostravam parte dos seios, idem! (E pensar que crianças, nas matinês, viam Tarzan e Jane, quase pelados. A macaca chita que o diga). Responder aos pais pelas determinações nem sempre coerentes, idem! Faltar à missa nem tinha como, xingar alguém ou falar nomes feios, pecado! Pensamentos maliciosos com relação a mulheres, mais ainda e tudo isso nos fazia pensar no que dizer ao saudoso padre, quando chegasse a nossa vez.
Como alunos do curso mais avançado do colégio e estar entre alguns que ocupavam “cargos importantes” na Academia Literária Afonso Celso, fui presidente da mesma três anos, nos dava uma liberdade maior, assim íamos para a capela e para não termos que voltar logo à sala de aula, ficávamos enrolando para ver quem ia primeiro, ou seja, o sacerdote esperando dentro do confessionário e aquela meia dúzia, os demais já tinham confessado e retornado, no local a fazer tudo menos ir confessar, em nossas cabeças tudo podíamos.
Em um determinado dia, com situação semelhante, passados uns 05 minutos sem que ninguém tomasse a iniciativa, ouvindo a movimentação dos presentes Padre Celso saiu do confessionário solicitou que nos sentássemos à frente e com palavras contundentes nos disse tudo o que sentia, demonstrando nossa inconseqüência e qual a finalidade em ali estarmos. Foi o suficiente, um após outro nos dirigimos à sua presença e narramos os pecados comuns a todos, imagino, devidamente perdoados.
Hoje, ao tomarmos ciência de tantas bobagens, desmandos, desrespeito e ações equivocadas, praticadas por parte de jovens e adolescentes, chegamos à conclusão que vivíamos em um mundo abençoado, sem darmos, em muitos momentos, o devido valor, embora as lições lá aprendidas tenham nos tornado, até prova em contrário, pessoas boas e de bem.
Nilton Junqueira